Ministério Público do Trabalho resgata 35 indígenas em situação análoga à escravidão na região de Campinas

O Ministério Público do Trabalho da 15° Região (MPT-15), em Campinas, resgatou 35 indígenas em condições análogas à escravidão em Pedreira, cidade da Região Metropolitana de Campinas (RMC). De acordo com o MPT, os trabalhadores são de aldeias de Amambaí, no Mato Grosso do Sul, e chegaram à Pedreira há 15 dias para atuar na “apanha de frango”, que é o ato de pegar galinhas em granjas para o abate.

Desde que chegaram na cidade do interior paulista, os indígenas passaram a trabalhar de maneira informal, sem registro em carteira de trabalho e sem a realização de exame médico admissional, nem recebimento de equipamento de proteção individual (EPI). Além disso, o Ministério Público do Trabalho da região informou que os indígenas eram submetidos a condições degradantes de alojamento, sendo que as 35 pessoas viviam em uma casa de três dormitórios, dois vasos sanitários e um chuveiro, além de que comiam só arroz e bebiam a mesma das galinhas.

A força-tarefa contou ainda com o Ministério do Trabalho do Emprego (MTE), Polícia Federal (PF) e Defensoria Pública da União. Segundo o MPT, os indígenas foram contratados por uma empresa terceirizada do Mato Grosso do Sul, que presta serviço para um “grande frigorífico”.

O resgate aconteceu na segunda-feira (17) e um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado na quarta (19) pela empresa, que se comprometeu a pagar as verbas trabalhistas relacionadas à formalização de contrato, salários, jornada de trabalho e alojamento. Os indígenas devem retornar ao Mato Grosso do Sul neste sábado (22), em viagem também custeada pela terceirizada.

O frigorífico também assinou um TAC e se comprometeu pelo cumprimento de normas trabalhistas de empresas terceirizadas.

O Ministério Público do Trabalho vai investigar, ainda, a suspeita de tráfico de pessoas, considerando que depoimentos evidenciaram que “lideranças indígenas podem ter recebido vantagens financeiras por cada trabalhador enviado para São Paulo”.

A empresa Raposão Coletora de Aves, que contratou os indígenas, disse que jamais agiu na vontade de “causar qualquer dano aos seus trabalhadores, e as questões apontadas na investigação estavam em processo de regularização pela própria empresa”.

Últimos 20 anos

De acordo com dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, uma iniciativa desenvolvida conjuntamente por entidades como o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), nos últimos 20 anos o Brasil teve pelo menos 3.413 mulheres resgatadas em situações análogas a escravidão ou ao trabalho escravo contemporâneo. Desse total, o relatório aponta que 200 foram resgatadas no ano passado.

Os dados mostram que ao longo da década, a maioria das vítimas (763) era da faixa etária de 18 a 24 anos, cerca de 22%.

O segundo maior grupo é o de mulheres com idade entre 25 e 29 anos, composto por 497 vítimas (14,5%). Nos gráficos elaborados pelo observatório, constata-se que as mulheres com 60 anos ou mais e de 18 anos ou menos representam os menores grupos de vítimas.

Em 2023, das 222 vítimas mulheres, 74 (33,3%) tinham dois perfis: metade com idade entre 25 e 29 anos e metade na faixa etária de 40 a 44, segundo o observatório da Rede de Cooperação SmartLab.

No acumulado dos anos analisados, de 2004 a 2024, a quantidade de vítimas do gênero masculino é significativamente superior, um total de 44.428.

As estatísticas corroboram a conexão que as pessoas com baixa escolaridade têm maior propensão de ser aliciado e explorado por meio do trabalho escravo contemporâneo. Ao todo, 15.976 (32,8%) vítimas, mulheres e homens, tinham parado os estudos na 5ª série do ensino fundamental, sem concluí-los; e 12.438 (25,5%) eram analfabetas.

Maiores casos

De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a agropecuária é um dos principais setores econômicos em que esse tipo de crime é praticado. A criação de bovinos, por exemplo, responde por 17.040 casos (27,1%), enquanto o cultivo da cana-de-açúcar está ligado a 8.373 casos (13,3%), conforme dados da organização.

O trabalho análogo a escravidão

A legislação brasileira atual classifica como trabalho análogo à escravidão toda atividade forçada – quando a pessoa é impedida de deixar seu local de trabalho – desenvolvida sob condições degradantes ou em jornadas exaustivas. Casos em que o funcionário é vigiado constantemente, de forma ostensiva, pelo patrão também são considerados trabalho semelhante ao escravo.

De acordo com a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), a jornada exaustiva é todo expediente que, por circunstâncias de intensidade, frequência ou desgaste, cause prejuízos à saúde física ou mental do trabalhador, que, vulnerável, tem sua vontade anulada e sua dignidade atingida.

Já as condições degradantes de trabalho são aquelas em que o desprezo à dignidade da pessoa humana se instaura pela violação de direitos fundamentais do trabalhador, em especial os referentes à higiene, saúde, segurança, moradia, ao repouso, alimentação ou outros relacionados a direitos da personalidade.

Outra forma de escravidão contemporânea reconhecida no Brasil é a servidão por dívida, que ocorre quando o funcionário tem seu deslocamento restrito pelo empregador sob alegação de que deve pagar determinada quantia de dinheiro.

Denúncias

O Ministério do Trabalho reforça que o principal canal para se fazer uma denúncia é o Sistema Ipê, do governo federal. As denúncias podem ser apresentadas de forma anônima, isto é, sem necessidade de o denunciante se identificar. Outra possibilidade é o aplicativo Laudelina, desenvolvido pela Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos e a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad). A ferramenta pode ser baixada no celular ou acessada por um computador, sendo que sua tecnologia permite que as usuárias consigam utilizá-la independentemente de uma conexão de internet de alta velocidade